Monday, October 26, 2009

Presságios

Pensei na chuva da tarde, estranheza de ver água cair do céu.

A primeira vez que meu gato viu chuva, ele a olhava com certo medo, sentia alguns pingos, depois corria para dentro de casa. Hoje ele apenas dorme com seu som.

Talvez ela caia do céu para também nos trazer presságios. Ruins ou bons. Sempre associo Finados com chuva cinzenta, Ano Novo com chuvinha fina e insistente, melancolia com chuva fria, renovação com sol e chuva (“casamento de viúva”).

Queria escrever uma coisa bonita inspirada nela, mas o poeta querido já fez isso lindamente. Tudo e mais um pouco que sinto, queria ou poderia dizer.
A chuva cai. O ar fica mole...
Indistinto... ambarino... gris...
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.

Torvelinhai, torrentes do ar!

Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.

Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.

Volúpia dos abandonados...
Dos sós... —  ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer...

Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!

A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!

Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!

E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.

É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir 
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d'água!

Manuel Bandeira (“Enquanto a chuva cai”)

Lembranças