Monday, October 26, 2009

7411

Transpirava impaciência e raiva pelas mochilas que atrapalhavam o caminho, pelos garotos e garotas narrando festas e beijos e, outros, apenas lendo um livro qualquer para aproveitar o tempo ou para esquecê-lo. Uniforme: camisa azul. Corte escovinha, vaidade dos vinte anos no gel empastando os cabelos. Dizia: “ninguém aqui descerá pela frente”.

O ônibus mal se equilibrava pelas ruas. Guloso e com prisão de ventre, pesado, muita gente entrava e poucas saíam. Lá dentro, o ar quente e o aperto causavam alguns mal-estares logo ignorados pelos passageiros sentados. Um bloco sólido fechava a passagem para o outro lado da roleta, mas aquele que comandava o espetáculo em sua autoridade bradava: “ninguém aqui descerá pela frente!”.

Enfim chegou o ponto onde a infração sempre era lastimável. O dobro da capacidade de gente em pé na lata. Alguns reclamavam do corte de ônibus proporcionado pelo prefeito da cidade, outros da impossibilidade de se morar numa grande metrópole com um transporte público sofrível. E ele ordenava o entupimento no fundo da lata. “Essa gente não respeita nada, bando de vagabundos que desce pela frente! Apertem aí atrás! Um passinho.”.

– Mas não dá para passar, moço.
– Se todo mundo apertasse um pouco no fundo, dava sim.
– Não tem lugar. Afinal, por que não há mais ônibus nesta linha, neste horário?
– Tem um monte!
– É, de meia em meia hora. Quem deixa para pegar o que vem depois, dependendo de onde mora, só chega uma hora da manhã em casa...
– Ah, mais o corredor não aguenta tanto veículo... ei! vamos apertar aí atrás! Todo mundo vai ter que passar!

O bando era marcado pelo ferro da catraca, caixa registradora. Nem todos conseguiram atravessar tantas ancas, bolsas, mochilas, pés e a catraca emperrada. Restou a saída rápida pela frente antes da acelerada final do motorista. O rapaz de camisa azul ficou calado. Olhar ressentido, frio, um ódio primordial. Todos voltaram a conversar. Ele se fechou em sua cadeira com visão panorâmica. Logo iria terminar o turno, isso se o trânsito não piorasse com a chuva fina que começava a cair sobre as ruas. Do ponto final, seria uma hora e meia até sua casa. Sua mulher já estaria dormindo e a filha pequena esquecendo sua fisionomia enquanto sonhava com a botinha do comercial. Ele, pensando nas passagens perdidas (umas cinco, talvez), esquecia da vida ao passo que ruminava um amargor vazio.

Lembranças