Sunday, March 11, 2007

Dia 11 de março de 2007

Sábado A cada saída a cidade perdia um pouco de sua beleza. Fiquei bem perto do final de uma fila de automóveis lá na calçada, lugar dos pobres, dos transeuntes sem rumo certo nos dias ensolarados. E senti a fumaça dos escapamentos fumegar em meu corpo junto com o calor e a poluição. O meu suor estava sujo, eu estava suja e caminhava ao encontro de um desconhecido. As ruas já estavam velhas depois de 10 anos num lugar, mas as pessoas nunca deixavam de ser novidade, distraía-me com elas até imaginar a história do casalzinho a minha frente com as mãos quase se soltando, o travesti com o cachorrinho e o saquinho do cocô do cão, o rosto enrugado de uma mulher com cabelos de moça. Mas não era a única, sabia que outras pessoas poderiam pensar também minha história e isso me incomodava um tanto. - Você gosta de poesia? - o cabeludo perguntou para me vender um impresso que não queria ter. Pôxa, a poesia tem que ser assim, fortuita. Um e.e.cummings precisa ser descoberto ou indicado por uma grande pessoa, não jogado com um "você gosta de poesia"? - Não, gosto mais de cálculos financeiros. A-do-ro um balanço - bem, não disse ao homem que tipo de balanço que era e fico tranqüila em imaginar ele pensando quão feliz era em estar à margem da merda do capitalismo etc. etc. etc. Fiz minha boa ação. Chego na hora marcada e no cruzamento combinado. Faço o sinal da cruz com ceticismo e um sorriso bobo para mim mesma. Bobinha... Como sou tonta em aparecer nos lugares sempre exatamente na hora marcada. Tenho o Big-Bang grudado em meu cérebro e sofro por isso longos períodos de espera, algo que me faz sempre ter um livro na bolsa. Mas Carlos aparece logo com a camiseta rosa combinada. - Olá, você é Clara? - Eu mesma. Aqui estão os livros do Claude. Diga a ele que sinto saudade e para ele me escrever quando puder. - Sim, digo. Irei amanhã à noite viajar e, ainda esta semana, entrego a ele os livros. Foram os únicos que ele não vendeu porque estavam com você. Disse sentir muita falta. Dos livros. Eles serão a lembrança do Brasil, das coisas de São Paulo. - Há sempre um amigo guardado neles, uma carta escrita sem destinatário. Mande um beijo e boa sorte. Disse adeus ao Carlos, um sujeito baixinho e com andar meio mole, e voltei para guardar mais esta despedida com o desejo de sentir o frio que Claude sentia nesta tarde ensolarada, do outro lado do oceano.

Lembranças