É, Lídia, ela
chegou... Nem me lembro bem quando foi. Mas como vou saber? Deveria ter marcado
o dia na folhinha? Chegou chegando, como aqueles furacões que despetalam as flores mais
bonitas e anunciam um final de outono. Bateu na porta, e deixei de ouvi-la. Foi
se infiltrando pelas paredes, congelou-se no refrigerador, formou crostas de
gelo. E nem estava tão frio naquela época
do ano. Vai saber os artifícios que usa... Dança com meus sapatos sobre folhas
escritas, rasga páginas de livros, anda de salto alto de madrugada –
metodicamente, dez passos pra lá, dez pra cá – e grita gritos surdos enquanto os
pratos são lavados e na televisão passa um episódio de meu seriado favorito. Qual seriado?
Não me lembro. Talvez... não, não me lembro.
Com ela você
nunca se acostuma. Sabe como é? Suportar? Sim, pode ser essa a palavra. Está há dias comigo,
companhia penetrante, invencível. Pula dos andares mais altos dos prédios e se
estatela lá embaixo, esperando uma esperança para então voar com o vento – uma
folha, uma pluma. Assim, quando pensamos estarmos livres de sua presença, eis que surge pela
janela.
Seus seguidores estão espalhados por aí. Amadores e profissionais. Como? Ah, não: eu não a admiro. Ela fica comigo porque, porque... Pode ser porque eu esteja lá, vez ou outra andando e pensando na sua presença, disponível. Como saber?... Ainda ontem vi um dos escritos de algum de seus admiradores (apesar de
eu desconfiar que ela é quem escreve esses rabiscos nas paredes). Passando pela
rua R., li em um muro: “Antes só do que mal acompanhado”. Pois sim, e quem diria que ela pode ser uma péssima
companhia.