Friday, June 15, 2012

Senhora S.


É, Lídia, ela chegou... Nem me lembro bem quando foi. Mas como vou saber? Deveria ter marcado o dia na folhinha? Chegou chegando, como aqueles furacões que despetalam as flores mais bonitas e anunciam um final de outono. Bateu na porta, e deixei de ouvi-la. Foi se infiltrando pelas paredes, congelou-se no refrigerador, formou crostas de gelo.  E nem estava tão frio naquela época do ano. Vai saber os artifícios que usa... Dança com meus sapatos sobre folhas escritas, rasga páginas de livros, anda de salto alto de madrugada – metodicamente, dez passos pra lá, dez pra cá – e grita gritos surdos enquanto os pratos são lavados e na televisão passa um episódio de meu seriado favorito. Qual seriado? Não me lembro. Talvez... não, não me lembro.
Com ela você nunca se acostuma. Sabe como é?  Suportar? Sim, pode ser essa a palavra. Está há dias comigo, companhia penetrante, invencível. Pula dos andares mais altos dos prédios e se estatela lá embaixo, esperando uma esperança para então voar com o vento – uma folha, uma pluma. Assim, quando pensamos estarmos livres de sua presença, eis que surge pela janela.
Seus seguidores estão espalhados por aí. Amadores e profissionais. Como? Ah, não: eu não a admiro. Ela fica comigo porque, porque... Pode ser porque eu esteja lá, vez ou outra andando e pensando na sua presença, disponível. Como saber?... Ainda ontem vi um dos escritos de algum de seus admiradores (apesar de eu desconfiar que ela é quem escreve esses rabiscos nas paredes). Passando pela rua R., li em um muro: “Antes só do que mal acompanhado”.  Pois sim, e quem diria que ela pode ser uma péssima companhia.

Lembranças