Wednesday, January 13, 2010

Um dia qualquer

— Por favor, preciso de ajuda. Estou trancada fora de casa e, lá dentro, não há ninguém! Será que um ladrão entrou e está escondido, espreitando, esperando que eu entre e se esqueceu que não estava em sua casa e resolveu trancar a porta por dentro? Ou será que um fantasma se materializou? Será que morri e essa incongruência lógica é para mostrar que já passei para outro mundo? Um clique, um “acorde!”? Mas não tenho id...
— Peraí, moça! Não tem ninguém mesmo?
— Não. Meu marido está viajando, estou lá. Ou melhor, estou aqui. Presa por fora.
— As fechaduras estavam ruins?
— Funcionaram perfeitamente. A porta é que não abriu. Tentei cinco vezes. Destranquei todas, a porta não abriu. Tranquei todas e voltei a destrancá-las. Acho que é o trinquinho que fecha por dentro. Tão pequeno e me impede de entrar. Quem diria...
— Você tem gatos?
— Gatos?
— Sim, gatos. Bichos.
— Ga...ga-tos? Sim, mas... gatos?
— Sabe, faz uns dias que um moço que mora nas redondezas teve o mesmo problema. E foram os gatos.
— Como?
— É. Eles fecham trincos que rodam. Ele ficou para fora.
— Sério? Tenho dois. Você poderia...
— Ir com você? Posso.

— E então? É o trinquinho?
— É isso mesmo.
— Você consegue?
— Consigo.
— ...
— Tá vendo, abriu.
— Que bom! Mas... eu vou precisar pegar o dinheiro para te pagar. Faz o seguinte, fica aí na porta. Se eu gritar, chama alguém. Não esquece. Peraí.

Vi vômitos espalhados pelo corredor, a segunda prateleira da estante vazia e livros espalhado pelo chão, cocôs fora da caixinha de areia dos gatos (não foram feitos fora, foram jogados para fora da caixa) e dois gatos cansados me seguiam enquanto eu explorava a nova casa. Ninguém embaixo da cama, ninguém dentro do guarda-roupa, atrás da porta. Nenhum sinal de espírito. Respirei aliviada. Tirei a nota de R$ 50,00 do bolso e entreguei ao chaveiro. Na empolgação, agradeci e dei um abraço nele, meu anjo da guarda.

Estava passando muito tempo fora de casa e sem dar carinho ou atenção aos bichanos. Arrumei a bagunça sob os olhares felinos e inquisitores. A justiça foi feita. Depois de tudo limpo, tudo arrumado, era novamente a minha casa. Comecei a ler um livro descoberto na bagunça enquanto coçava cabecinhas peludas de bichanos espalhados pelo sofá. Minha alma estava feliz, a deles também parecia. As pessoas não são muito diferentes dos gatos.

Lembranças