Saturday, March 17, 2007

Carta - 17 de março, 2007

Querida J, Lembrei hoje de uma parte da nossa conversa sobre os gêneros literários e a pouca importância que as pessoas dão aos diários de pessoas vivas e às cartas. Mais ainda: como é importante descobrir o que você gosta de escrever, independente disso. Acabei de fazer uma carta a uma amiga e percebi o quanto gosto de escrever cartas. Este é o meu barato, isso é o que move aquele ser desaparecido dentro de mim. Escolhi como pseudônimo ser Clara Print numa carta antiga enviada a um amigo. Ela é uma personagem completa que modificou sua história “no decorrer da pena”. Inglesa, mais velha que eu, mais moderna e vivendo de um modo alternativo no fundo do poço. Sozinha, escrevia suas missivas. Ainda me lembro que Clara, para mim, significava a luz quando toca as coisas e reflete um objeto, e também a luz que ofusca. Clara é o feminino e o ponto onde realmente me enxergo, sinto minha existência e a aproximação do mundo mágico da arte. Print porque sempre é preciso imprimir esta luz, por mais distante que estejamos dela e esta palavra – print – está completamente relacionada à escrita, lugar onde tenho meu repouso. Percebi, hoje, que necessariamente preciso ter um leitor. Preciso saber seu nome e sua vida e que ele saiba um pouco de mim, divida meu universo. Alguém para dialogar no outro lugar. Só a carta pode me oferecer isso, qualquer outra coisa é jogar garrafas ao mar. Passa por minha cabeça um personagem do filme O fabuloso destino de Amélie Poulain. Um senhor que reproduzia um quadro do Renoir nos mínimos detalhes. O quadro é muito bonito, a reprodução está sendo feita com perfeição... mas é um Renoir. Ele não cria nada, ele reproduz. Preso dentro de casa e frágil, ele reproduz. É assim. Em qualquer outro gênero de escrita sinto-me este senhor. Reproduzindo. Acho que tive a sorte em não ler nenhum bom escritor de cartas. Não há a comparação, não há o medo e o julgamento impiedoso ao reler algo que fiz. Sinto-me à vontade no erro. Mas se um dia surgir em minhas mãos um bom livro de cartas....

Lembranças