Mikhail Petrasheviski, um dos primeiros socialistas da Rússia. Hoje, lendo o final do texto do Volkov (que já citei por aqui) fiquei pensando nos russos o dia inteiro.
"Mais parecido com um insolente vilão teatral, um vestido de mulher [Mikhail Petrasheviski] compareceu à Catedral de Kazan, na Nevski Prospekt, sentando junto às senhoras e rezando com elas, em voz alta. Sua espessa barba negra, que não se dera ao trabalho de raspar, sequer esconder, chamou a atenção das mulheres, que pediram ajuda a um policial. Dirigindo-se ao perturbador da ordem, o gendarme procurou ser educado e disse: 'Gentil senhora, creio estar na presença de um homem disfarçado'. Ao que Petrasheviski replicou, sem hesitar: 'Pois eu creio que o senhor seja uma mulher disfarçada'. Aproveitando-se da estupefação do guarda, ele fugiu da igreja, saltou em uma carruagem e correu para casa. Toda sexta-feira, esse excêntrico bem-educado, autêntico 'personagem de Dostoievski', recebia de quinze a vinte jovens - funcionários, oficiais militares, professores, músicos, artistas, eruditos e escritores - a nata da intelligentsia metropolitana [...]. Nessa animada atmosfera de camaradagem faziam leituras em voz alta, discutiam as ideias socialistas utópicas do conde Saint-Simon e de Charles Fourier, e assuntos correntes, como censura e emancipação. O 'Projeto para a emancipação dos servos', de Petrasheviski, foi um dos documentos políticos mais ousados da época. Vários membros do círculo defendiam abertamente a revolução. Preocupada, a polícia secreta infiltrou nele um agente provocador. [...] na noite de 22 de abril de 1849, depois de mais uma reunião na sexta-feira, o grupo inteiro foi preso [uma ordem de Nicolau I, com medo de o "fantasma" da República francesa atingir a corte russa] e conduzido em coches pretos à III Divisão [...]. As ordens do czar tinham sido bastante claras: 'Comecem as prisões... Deus determina! Seja feita a Sua vontade!'. Fiodor Dostoievski estava entre os 34 'conspiradores' presos. Ao lado do seu nome, as palavras anotadas: 'Um dos mais importantes'. Durante o processo, permaneceram confinados na Fortaleza de Pedro e Paulo. Nicolau estava furioso. 'Prendam metade dos moradores da capital, mas encontrem as pistas dessa conspiração'. Interrogado, o romancista ouviu do investigador a promessa do perdão, caso contasse 'tudo', mas silenciou. A sentença, pronunciada por uma corte militar, condenou-o à 'pena de morte, diante do pelotão de fuzilamento'. Petrashevski, 'criminoso de Estado', e outros 21 participantes do círculo, receberam idêntica condenação. A cerimônia de execução foi planejada pelo próprio Nicolau [...] Vestidos com túnicas brancas de lona, mangas compridas que quase chegavam ao chão e capuzes pontiagudos que caíam sobre os olhos, eles foram postos de pé sobre uma plataforma de madeira. Dostoievski ainda conseguiu contar ao companheiro ao seu lado o enredo de uma nova novela que tinha escrito na cela da fortaleza, e ouviu um padre jovem e amedrontado rezar o último sermão dos condenados. Mais tarde, ele confessou que 'não acreditava, não entendia, até que viu a cruz (...) Um padre (...) Recusamos a confissão, mas beijamos a cruz. Eles não brincariam com a cruz!' Petrashevski ria histericamente, dizendo: 'Cavalheiros! Estamos ridículos nesses trapos!'. Ele e dois outros foram amarrados a três estacas fincadas no chão, defronte à plataforma. Foram dadas ordens: 'Puxem os capuzes sobre os olhos deles!'. O pelotão apontou os rifles. 'Eu estava na segunda fileira e tinha menos que um minuto de vida', recordou com honra o romancista, tempos depois. Mas, ao invés de tiros, houve um rufar de tambores: recuar! Um general cavalgou até a plataforma e leu o decreto de Nicolau que reduzia a pena de morte para trabalhos forçados. Um dos homens amarrados à estaca enlouqueceu. Outro gritou furiosamente: 'Quem pediu isso?'. [...] Mandado para o cárcere da Fortaleza Omsk, na Sibéria, passou quatro anos presos aos pesados grilhões. Ficou quase dez anos sem escrever."