Ele abre um dossiê das flores dizendo "nada mais óbvio" - e acrescenta olhando pra mim com a cara séria que faz quem aperta os olhos para se proteger do sol na praia: "quando a coisa é 'óbvia', é então que se deve atenção para ela - e percebemos , então, que o 'óbvio' comporta muitas perguntas sem respostas".
Ouço a voz dele falando de flores como oferendas para divindades (mas não me lembro de ele citar as flores para os mortos). Barthes olha pra mim enquanto miro as violetas do banheiro, único espaço da empresa onde se permitem flores. Meus lábios no espelho combinam com o roxo das pétalas murchas e Barthes me abraça carinhosamente e cita um trecho da tese de seu ex-orientando, Yve-Alain Bois: "Mondrian, na época de suas Composições no Quadrado (por volta de 1924), continuava desenhando flores por simples razões alimentares. Portanto, naquela época de plena 'abstração', Mondrian pintava por vezes uma flor, que vendia facilmente a seus amigos da Holanda. Daí o comentário de Brassai, ao sair do ateliê de Mondrian: 'Eis um homem que pinta flores para viver. E por que vive? Para fazer linhas retas.'".
Há um aviso para não botar água nas violetinhas sedentas, meio secas de esquecimento. Pisco de forma marota a meu amigo querido e oferecemos a água que escorre de nossas mãos à terra da planta no intervalo de silêncio no banheiro da firma.