Friday, October 09, 2009

Paraíso perdido

Hoje recebi um e-mail maravilhoso de minha irmãzinha querida – minhas irmãs são mais velhas que eu, mas sempre serão as meninas queridas. Pequenas. Menininhas imaginativas olhadas maternalmente por uma criança. Há coisas que nunca mudam. Mas uma delas nos enviou (a mim e a outra irmã – somos três) um texto do Rubem Alves, “O melhor de tudo são as crianças”. Muitas vezes, Rubem Alves tem uma ingenuidade em seus textos que me irrita um pouco. Não é tudo dele que gosto. Mas receber este texto da F. iniciado por: “este texto é lindo (uma grande e querida amiga me enviou) e sou a favor de dividir sempre coisas lindas com pessoas que amamos. Bjs, F.” foi emocionante. Deu vontade de sair correndo desta cadeira, deste teclado e ir morder a bochecha dela assim como fazia quando era menor.

Rubem Alves, no final do texto, fala sobre termos um 11.º mandamento, em adição aos distribuídos num congresso sobre educação, na Itália, chamado "Dez Direitos Naturais das Crianças". O acrescentado pelo autor seria: “Todo adulto tem direito a ser criança”. Não resisti e respondi a F. (e com cópia para S., minha outra irmãzinha):
Pois então contarei uma cena que aconteceu aqui na praça Monteiro Lobato.


A praça Monteiro Lobato não é muito bonita. Está meio suja e abriga as crianças mais pobres da região (as ricas vão à Buenos Aires, em Higienópolis, ou, sei lá, ao parque Ibirapuera, ao parque Vila Lobos). Mas lá há uma biblioteca infantil e juvenil. Pequena. Ela é meio escura e a luz entra por grandes janelas feitas daquele vidro antigo, aquele que brilha e dá uma cor diferente aos raios de sol, parecendo que estamos em outro mundo. Lá é como a biblioteca do Instituto de Educação (lembram?), lugar onde fugia das crianças chatas quando não suportava mais aquele lugar. Ainda há coisas do Monteiro Lobato em um grande salão. Uma escrivaninha dele, bonecos da Emília, do Visconde de Sabugosa, da tia Anastácia. Então, a praça Monteiro Lobato é minha infância: meio suja, meio das crianças renegadas e cheia de gritos de alegria e mães, ou pais, ou irmãos que brincam com os pequenos como se ainda estivessem na infância.


Um dia fui eu com o Ed e os gatos (eles ainda eram filhotes) na dita praça. As crianças queriam nos roubar os gatos, eles eram dois brinquedos felizes que encantavam. Mas um menininho bem pequenino passou a mão no Mio, disse algo no ouvido dele enquanto acariciava a carinha do Miozinho e foi. Correu até o balanço e ficou balançando sozinho. Contente. Talvez ele tenha convidado o Mio para ir junto, sei lá. Mas a coisa é que eu fiquei vendo o garotinho e deu uma inveja danada. Ele parecia completamente livre e sem problemas naquele balanço. Os pezinhos mal alcançavam a terra, mas quando o impulso era dado... ah, ele voava.


Já sem os gatos conosco, depois de um tempo, escolhi um dia morto para o Ed ir comigo à praça. Vigiei os balanços até ficarem vazios. Era minha vez. Fui. Mas senti o peso da vida adulta espremendo uma cadeirinha pequena com duas cordas frágeis penduradas. Minha bunda não cabia no balanço! Tinham me expulsado da infância sem direito a voltar, nem um pouquinho.


O 11º mandamento do Rubem Alves salvaria muito gente!


F., obrigada pelo texto.
E vem uma resposta linda da S.:
Mas é verdade, toda criança está conectada com o paraíso.
Fiquei pensando “quando perdemos esta conexão? Perdemos ou ela está escondidinha num álbum de fotografias ou num lugar poeirento da memória?”. Mas agora, depois destes e-mails, estou experimentando um pouquinho do paraíso. Sei que ele irá desvanecer já, já. Mas quem se importa?

Lembranças