Sunday, February 13, 2005

Impurezas do branco

Claro!
Disse isso e jogou tinta por todos os quadros. O branco, antes odiado, riscou o ar pleno de respiração e curvas ariscas. Um pingo em seus cílios. Via todas as cores refletidas em seu olhar; agora.


Claro!
Foi-se o refinamento das paredes escuras e com pinturas orientais do seu quarto. Morreram as fotos das namoradas-modelos-de-capa-de-revista num gesto colérico cortadas pela gosma que escorria em pedaços de barrigas e peitos fabricados.


Claro!
As gavetas abertas e nada restou de escritos guardados e palavras mofadas de um tempo não distante. Branco furioso, branco macio da neve recém caída, branco das nuvens desinformadas das formas, branco bianco, branco sinistro grudado em hospitais.

Pisou na cor que nada contém e fez suas pegadas de gelo. Cem homens correndo na neve e parando na ponte quebrada. O que era aquilo na pia vazia? Tudo estava em ordem, mas o pano no canto. Reino desconhecido onde o último suspiro do branco-tecido tramou, e o pano feliz embriagou-se de água suja. O ódio, ah, o ódio tomou conta dos olhos e o homem atirou tinta. Claro!

O pano foi-se embora e virou massa. O homem e a massa pálida a se olharem. Áridos. Fixos endurecendo sob o calor da brisa que entrava pela janela da cozinha. E de cansaço, finalmente, o homem fecha os olhos, ajeita-se num pedaço de chão e sente o conforto do escuro.

Lembranças